Consciências Humanas

Eu sempre pensei que apenas os fracos precisassem se apegar aos outros para se sentirem melhor, porém não existe exército de um homem só. A união fortalece ao mesmo tempo que enfraquece o homem, seja pelo confronto, seja pela cooperação, pela negação ou pela aceitação, a coletividade exalta e expurga nossas forças como a maré, esse é um terrível paradoxo. Apegar-se aos outros nos protege de outras coletividades, traz conforto e afeto, mas também nos sufoca com mediocridade e monotonia. Afastar-se dos outros nos torna vulneráveis diante de coletividades, traz desconforto e desespero, mas também nos traz independência, determinação e orgulho. Na extrema solitude eu sou meu único inimigo, em bando os inimigos podem estar dentro ou fora dos muros, nossas costas raramente estão seguras.

Mesmo ciente de que a cooperação é inevitável em sociedades, principalmente as industrializadas e massificadas, sempre favoreci o individualismo radical, porque minha relação com pecuaristas, eletricistas, lixeiros e policiais não é pessoal, eles não são pessoas para mim, sem conhecer seus nomes, rostos e trajetórias, os percebo apenas como as engrenagens da máquina que me mantém vivo. Meu individualismo consiste em me afastar das comunidades ao meu redor, daqueles que possuem nomes e sobrenomes e deveriam preencher meu campo visual diariamente. O grupo nos protege de ameaças externas ao mesmo tempo que nos põe uns contra os outros: inveja, ódio, falsidade, malícia e ganância. É possível argumentar que a humanidade não possui apenas traços positivos e, mesmo assim, é preciso se abrir às experiências, realizar um salto de fé para conhecer plenamente as consciências humanas e viver de verdade.

Ser exposto a toda essa miséria nos trará anticorpos e a verdadeira fraqueza é não se aproximar das pessoas por temer esses riscos, quão privilegiados são aqueles que nadam nos esgotos da miséria e não se tornam miseráveis, não são consumidos por esse abismo. Particularmente, considero esses joguinhos sociais tão estúpidos e enfadonhos, tentar agradar ou ostracizar os outros para levar vantagem. O mundo não seria melhor se todos fôssemos autênticos? O homem magnânimo não deveria precisar desses artifícios, ele enfrenta seus inimigos com honestidade e objetividade. Entretanto, reconheço que não deveríamos revelar nossos corações, sentimentos e objetivos para qualquer um, um mundo onde os sujeitos são multifacetados, sem escrúpulos em relação ao engodo, a mentira, ao rancor e a trapaça, movidos por sentimentos ambíguos, desejos idealistas e materialistas seria bem mais dramático, interessante e poético. As pessoas são um fardo que apenas jumentos carregariam, mas sem fardo não há hipertrofia.

Nessa perspectiva, é possível entender minha noção de amor, o único raio de sol que perfura as brumas das consciências humanas. O amor é aquilo que nos permite conhecer a verdade, é cego por olhar para o sol, por ser árduo o trabalho de unir múltiplos fragmentos em um ser coerente e autêntico, só poderá se tornar mais vívido e ardente com o tempo. Se conhecer as falhas de alguém nos repele, não era amor, apenas uma paixão por uma ilusão, realmente amar o humano é amar seus defeitos. O amor nos desnuda e também nos elimina, porque as verdades que o sujeito apreende se tornam parte dele, acrescido dos fragmentos da pessoa amada deixo de ser quem eu era e meu ser morre, há apenas nosso ser. Amar a verdade, amar de verdade, aqueles que buscam pelo genuíno desejam ser como ele, o filósofo ama a verdade, pois deseja ser ela, quando o homem ama a mulher a humanidade torna-se nela mesma e suas contradições são sanadas ao mesmo tempo que se reproduzem. Querida, eu sou você e você sou eu!

Por isso, desprezo tanto psicólogos, eles acham que sabem mais sobre nós do que nós mesmos, que podem enxergar a verdade sem amor. Há razão para o amor, há razão para conhecer? O conhecimento apenas aparece para nós, pela paciência e pela tirania, por mais pusilânime que tente parecer, é filho do mesmo desejo de ter o mundo na palma da mão. Individualismo radical é preferir a solitude, não ser conformista em relação a sistemas de crenças hegemônicos e sempre esperar o pior dos outros. Posso passar anos absorto em meus pensamentos, sempre com a mente nas nuvens e estar do lado de fora me permitir ver a figura completa, por mais que deseje a tranquilidade, sei que eles não me deixarão em paz e a melhor defesa é o ataque, isso é o que a Fortuna exige de nós. Eu sou um estrangeiro, tentar me igualar é fútil e nunca estarei confortável, todos os dias ponho a máscara que critiquei, será ela menos autêntica que a presente reflexão ?

Exposto a tantos tipos de pessoas e a tantos sistemas de crenças, ainda que em posição segura. Realmente, a única forma de criar a minha própria comunidade é criar minha própria religião, suportarei ser Gregor Samsa até o amargo fim? Não há razão mais nobre para viver do que o amor pela própria vida, grande infortúnio é perecer sem saber do que sou capaz, sem conhecer plenamente minhas potencialidades, sem saber quem eu sou, sem me tornar o que sou. A vida precisa conhecer a si mesma para ser plenamente concretizada, para ser livre, para ser vida, ela deseja apenas cobrir cada espaço do universo. Buscando saber do que sou capaz (excelência) posso amar a vida, posso conhecer sua verdade, posso me unir a ela, posso me tornar finalmente vivo. Ao escolher a vida amamos nossa realidade e a separação entre consciência e mundo é superada, há o fim do sonho tolo de uma razão débil que precisa rever novamente sua condição. E se a verdade não estiver nessa realidade que aparece para nós? Consciência e Mundo permanecem divorciados.

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