De todos os sonhos que já tive, ser líder de um culto foi um dos que mais me interessaram. Sempre quis usar meus conhecimentos esotéricos, meu talento com as palavras e técnicas de manipulação para constituir uma seita. Já pensei em adicionar algumas coisas completamente absurdas apenas para zombar de meus seguidores, por acreditarem em tamanha besteira, porém ainda teria de disponibilizar muitas informações verídicas, porque a mentira, dissolvida na verdade, é como a gota de veneno na água límpida, que bebemos sem perceber. Quais motivos para ser o guru de uma seita? Alguns falam sobre dinheiro, sexo, prestígio ou satisfazer transtornos mentais, poucos falam do desejo pelo controle, poder pelo poder.
Eu olho para todas essas igrejas evangélicas que arrecadam milhões, possuem braços na política e no crime organizado… Com todos os riscos, seria o emprego dos sonhos, as palavras sempre me comoveram e sempre habitei mundos de fantasia, nunca fui cínico, eu realmente acreditei em todas as minhas farsas, quando parece real para mim, posso fazer parecer real para os outros, magia é sobre imaginação. Muitas pessoas são solitárias, vulneráveis e não sabem para onde ir, presas perfeitas, que sei explorar, porque sou solitário, vulnerável e perdido, é preciso de bastante empatia para usar os outros, saber quais pontos, quando pressionados, motivam. As ovelhas precisam de um pastor, elas precisam servir, caso contrário, colapsam em espirais de hedonismo, tédio e depressão, eu as guiaria até a iluminação. Um culto, uma CULTUra, um lugar para pertencer, uma forma de se distinguir e de se isolar do resto do mundo, uma nova micro sociedade.
Cultos são perfeitos para serviços secretos, são belas fachadas para espionagem e negócios ilícitos, mesmo que você seja desmascarado, meia dúzia de fanáticos ainda te seguirá até os confins da terra. Abusos e chantagem sempre serão mais problemáticos do que a ganância por recursos financeiros. Eu olho para todas as ideologias dominantes e vejo apenas grandes seitas e seguidores acreditando que possuem alguma iluminação, alguma agência, um culto é tudo aquilo que nos une? Penso que essas pessoas estariam melhores se seguissem uma seita que eu pretendesse criar, poderia discorrer posteriormente sobre que tipo de seita eu criaria, mobilizar pessoas em resistência aos valores hegemônicos, precisaria de uma mensagem bem democrática, pois mensagens mais agressivas sempre levam ao questionamento das lideranças, por aqueles que desejam usurpá-la de forma ilegítima: somos tanto pacíficos e passivos, como também iluminados e superiores.
Eu já pensei em criar o culto da violência e da destruição, o culto do amor livre, criar mitos e narrativas próprias, auto-ajuda e críticas ao sistema, usar substâncias, misturar elementos de diversos outros cultos e de tradições espirituais, focar em entidades ou na dignidade humana, criar algum tipo de espiritualidade materialista, usar interpretações simplistas da filosofia, criar umas narrativas meio hippies, criar uma irmandade que coopera em diversos aspectos da vida. Sempre com bases dentro e fora do todo, é preciso de um refúgio e de locais de transição entre esse refúgio e o mundo exterior. Poderia falar sobre conspirações e usá-las para defender o grupo de ataques externos, certamente estabeleceria uma doutrina oculta, tratada apenas de forma superficial nas campanhas de recrutamento, virtuais e físicas, os membros antigos teriam privilégios sobre os mais novos. Nossos templos urbanos seriam bem discretos, haveriam sítios e fazendas controladas pela seita, nas quais as pessoas viveriam conforme nossos ideais, além disso, a organização controlaria diversos negócios e empresas. Infelizmente ainda não estudei o bastante para cumprir esse papel e ter o meu exército de devotos, sei que abusar do meu poder demais e não ter uma narrativa tão persuasiva poderá colocar toda a operação em ruína.