Olá, pessoal. É minha primeira aparição por aqui, mas me deparei com esse lugar há um tempinho, mas nunca que consegui juntar as forças pra fazer esse post. Sou péssimo com apresentações, então vou pular essa parte.
O motivo de eu ter registrado pra escrever essas palavras é o de ajudar a dar uma luz às pessoas sobre algumas coisas que nos levam a viver dessa forma, assim como ajudar a quebrar alguns conceitos que vi na própria apresentação desse fórum. Considero importante tentar explicar nossa situação, porque, como se não bastasse a angústia do isolamento, quando tentamos sair e nos expor à sociedade, somos totalmente incompreendidos. As pessoas tentam associar nossas experiências ao que conhecem e dizer que nos compreendem, mas não conseguem ter noção do que é a nossa vida. E nós, já privados do adequado desenvolvimento social, falhamos em nos comunicar, além de nos vermos diante de um enorme desafio: como é possível explicar a ausência de algo? Como é possível que alguém entenda o que é viver sem… viver? É como tentar explicar como é o meio do espaço sideral.
Nem sei se faz tanto sentido postar por aqui, já que a quantidade de acessos é baixíssima, mas talvez seja mera consequência de sermos casos tão raros na população geral, ou consequência da baixa compreensão e atenção que esse fenômeno recebe. Mas, de qualquer forma, vou escrever assim mesmo, até porque, não tenho mais onde o fazer.
De início, quero abordar conceitos que vi aqui na apresentação do fórum e no post fixado, que são a porta de entrada para qualquer um que se aproxima. Já na capa do site, é enfatizado que o isolamento extremo é uma “síndrome que está afetando nossos adolescentes”. Focar inteiramente nesse fato é fechar os olhos para a amplitude da situação. O isolamento vem afetando muitas pessoas, já há muitos anos, e grande parte já se tornou adulta, tendo seu modelo de socialização moldado pelo isolamento e se vê incapaz do adequado convívio. Qualquer pessoa, de qualquer idade, pode vir a se isolar em sua casa e sofrer as consequências disso. Inclusive, há um fato bastante curioso de que esse formato de isolamento ser também muito comum em idosos, que deixam de sair de casa para literalmente viver à espera da morte, dentro de alguns metros quadrados, sendo normalmente os filhos os únicos contatos humanos que recebem.
Outra coisa que eu gostaria de destacas é já sobre o post fixado, nessa parte: “Nossos adolescentes estão passando por uma mudança drástica de como enfrentar o mundo, e o isolamento social está sendo uma forma que muitos estão utilizando para fugir do desafio de crescer.”. Essa forma de colocar o problema e péssima, em muitos sentidos, porque coloca a pessoa que está sofrendo do isolamento como vítima da própria condição e, ainda pior, tem um ar que insinua chamar o indivíduo de covarde. Sinceramente, não consigo ver isso como um apontamento falho e desrespeitoso, que, além de não contribuir, ajuda a disseminar ideias enganosas sobre a situação. Acredito que não foi feito com má intenção, mas apenas por uma não compreensão do problema, o que não há como julgar, dada a dificuldade já mencionada.
Digo falho, porque há muito mais por trás do isolamento do que parece na superfície. Cada pessoa é única e se vê dessa forma por motivos únicos, mas se você for procurar a fundo, verá que boa parte de nós tem alguma forma de neurodivergência e/ou condição psiquiátrica, como a depressão. Com isso, a figura muda totalmente sua forma, pois não se trata apenas da dificuldade de uma pessoa em se integrar na sociedade, mas também em uma falha desta sociedade em acolher essas pessoas.
E aí vem outro fator, que considero importantíssimo, mas que não o vejo ser abordado: nós passamos por um processo de desenvolvimento e maturação, desde quando nascemos, até nossa idade adulta, e a interação social faz parte do nosso desenvolvimento. Daí, tomo a liberdade de estabelecer uma teoria aqui. Acredito ser muito provável que, com o isolamento extremo ainda durante o processo de desenvolvimento, ainda que no início da vida adulta (já é sabido que nossa mente se desenvolve e matura até bem depois dos 18 anos), o nosso desenvolvimento social é comprometido e nos tornamos pessoas deficientes nesse aspecto, o que dificulta a nossa interação social e contribui ainda mais para o isolamento.
Eu senti isso na própria pele, e falo pela minha experiência. Desde a infância, tive uma reclusão muito grande, que reduziu e se agravou em diferentes momentos da vida, se tornando mais intensa no fim da adolescência para o início da vida adulta. Percebo claramente como isso comprometeu meu convívio social e, junto da tendência natural à reclusão advinda do transtorno do espectro autista, me levaram a uma vida de extremo isolamento.
Esse extremo isolamento foi estudado praticamente apenas em crianças, e se reconhece os danos que causam, que, diante da fase crítica do desenvolvimento, comprometem até mesmo as funções básicas da linguagem. As crianças que passam por isso são chamadas de crianças ferais (péssimo nome) e são bem raras. Contudo, apesar de não chegarmos a um nível extremo, vejo histórias dessas crianças e consigo observar alguns paralelos. Percebo que nos tornamos uma espécie de “adultos ferais”.
Com isso, vem um enorme problema. O status quo para qualquer problema não físico que alguém passa é falar para a pessoa ir a um psicólogo, mas, novamente pela experiência (mais de 10 psicólogos), percebo que é muito difícil que alguém consiga nos ajudar, justamente porque nosso problema não foi adequadamente estudado e não faz parte do currículo dos psicólogos. Ou seja, não são eficazes e, muitas vezes, mais nos pioram do que nos ajudam.
E sinceramente, duvido muito que haja alguma solução completa. A experiência humana não é indissociável do tempo e do seu desenvolvimento, e a gente perde etapas inteiras da vida. Sabe quando dizem que a vida não é sobre o nosso destino, mas sobre aproveitar o caminho? Pois é justamente esse caminho que não tivemos. Começar agora nunca é o mesmo, não adianta o que quer que alguém diga.
E, pra piorar as coisas, nossa sociedade ainda supervaloriza os feitos precoces e tende a pôr de lado aqueles que perderam esses momentos. Mesmo fazendo de tudo pra fugir do vazio, sempre haverá algum vazio em nossas vidas.
Eu sou uma dessas pessoas, que viveu em hiper isolamento intermitente durante a maior parte da vida. Amanhã eu faria 30 anos e não sou um adulto normal nem de longe. Minha experiência de vida é menor do que de muitos adolescentes e tenho sérias deficiências sociais que me impedem de sair de casa e ter uma vida normal. Eu me tornei um caso perdido, e espero que o mesmo não aconteça com outros.
É tudo um grande vazio, que, com o tempo, a gente mesmo se confunde dentro deste vazio. O antes, o agora, o depois, o dentro, o fora, tudo um vazio que nunca vai sair da gente, pois é tudo que vivemos e que construiu nossas memórias, o vazio.
Não sei se essas minhas palavras vazias farão alguma diferença, mas é tudo o que posso fazer.